"... não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural. Nada deve parecer impossível de mudar."
Bertold Brecht

7 de dez. de 2011

Em 7.12.11 por Dr. Renan Marino em ,
No volume 72, de Novembro de 2011 do conceituado periódico inglês British Journal of Clinical Pharmacology, especialistas em hepatologia e transplantes de fígado coordenados por Darren Craig, divulgaram os resultados de estudos realizados em 663 pacientes pela equipe entre 1992 e 2008, no hospital da Universidade de Edimburgo, Escócia.

Deste universo, os dados mostram detalhes da análise de 161 pacientes em que os efeitos provocados pelo uso frequente e às vezes associados a doses diárias pouco maiores de 4g de paracetamol, resultaram em sérios danos ao fígado, evidenciando maior propensão a lesões irreversíveis, encefalopatia hepática, que necessitaram diálise renal, ventilação mecânica, e que evoluiram em grande proporção para óbito. Fica assim demonstrado que nestas condições o paracetamol apresenta efeito cumulativo, o que os pesquisadores denominaram "staggered overdosis", algo como overdose em conta-gotas ou escalonada. A preocupação com estes achados se deve ao fato destes casos serem muito mais graves que situações de "single overdosis", isto é, quando ocorre ingestão de grande dose da droga, mas somente uma única vez.

Convidada a se pronunciar sobre o assunto, a hepatologista Edna Strauss, que faz parte da diretoria da Sociedade Brasileira de Hepatologia, disse ao Jornal Folha de São Paulo na matéria abaixo, que o trabalho confirma o que todos já sabiam. Fico incomodado com a condescendência e benevolência com que a referida Sociedade Brasileira de Hepatologia tolera o alto risco potencial do Paracetamol, querendo fazer crer a todos que esta bomba-relógio farmacológica seja na verdade apenas mais um inofensivo remedinho... Conclui a médica Strauss afirmando que "até mesmo pessoas com problemas de fígado podem usar o paracetamol, desde que em doses corretas..." Penso ser uma declaração audaciosa e temerária, não daria conselho deste tipo a ninguém... muito menos a quem esteja com Dengue, já que sabemos que 100% dos casos de Dengue apresentam hepatite pelo vírus da dengue, não é complicação, faz parte da história natural da doença!

Então deixo a pergunta: até quando nossos eminentes especialistas tupiniquins seguirão deitados em berço esplêndido, olhando para o próprio umbigo e ignorando o clássico e inquestionável trabalho de Watkins,P.B. et al, reunindo profissionais dos mais respeitados Centros Médicos dos USA e publicado no JAMA 2006;296;p.87-93, onde se demonstrou de maneira irrefutável que doses de até 4g diárias de acetaminofen ou paracetamol causam sim lesão hepática?

Quero ainda destacar que algum tempo atrás, o prof. José Antonio Cordeiro, nosso orientador em estatística da pós-graduação da Famerp, comentando a respeito deste citado artigo da Associação Médica Americana, chamou a atenção para os elevados níveis ALT-alanino amino transferase, marcador inequívoco de lesão hepática, encontrados nos indivíduos que receberam o paracetamol em 4g/dia no intervalo de 14 dias.

Em Tempo: os mesmos autores, Darren Craig et al, já haviam publicado no British Journal of Clinical Pharmacology - BJCP - volume 71, p.273-282, de fevereiro de 2011, o artigo "Padrão de Overdose e resultados na hepatoxicidade aguda grave induzida por paracetamol", em que afirmam que a principal causa de hepatotoxicidade aguda grave no Reino Unido continua sendo indiscutivelmente o paracetamol.

Renan Marino - Prof. Famerp - Mestre em Ciências da Saúde.